quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Do fundo do baú



Eu estava procurando uns documentos e acabei encontrando um monte de coisas legais para colocar aqui no Blog. Vou colocar aos poucos, mas resolvi abrir a série “Do fundo do baú” com este texto que escrevi em 15 de março de 1983. Eu tinha 22 anos, estudava jornalismo e era secretária de uma empresa de informática. Na época, eu estava apaixonada por um analista de sistemas – Fred – que prestava serviços à empresa. Ele aparecia lá de vez em quando e quase me matava do coração. Olha o que escrevi para ele:

Mais uma manhã se arrastava no compasso daquela terrível máquina de datilografia. Era o esmo barulho de teclas que compunham frases desconexas e me lembravam que os minutos estavam se passando e a qualquer momento ele chegaria.

Procurava adivinhar-lhe o cheiro, o sorriso, a prosa do dia. Esperava-lhe a cada barulho no corredor, a cada toque no telefone.

E maquinalmente corria o tempo, às voltas com chamadas telefônicas, cartas e sorrisos forçosamente simpáticos.

Era um dia enfadonho como qualquer outro, que ameaçava melhorar depois de sua chegada.

Pensamentos passavam pela minha cabeça como raios e era difícil aquela espera infinda.

Pausa para o cigarro... E seus olhos me apareciam de improviso. Olhar doce de menino. E mais cartas choviam para serem escritas e eu me esquecia do tempo.

E este maldito tempo corria tranquilo, sem pressa de chegar, brincando com o humor de quem espera, se fazendo de rogado.

E naquela estranha sensação de calma aparente, queimando por dentro, eu me mantinha sentinela, como se esperar fosse o meu sustento.

Ele acabaria chegando, cedo ou tarde, e isso me consolaria por meses de trabalho.

A manhã já contava na metade e a ansiedade já tinha se esgotado, seria de uma próxima vez. Voltaria no período da tarde e continuaria no meu posto de guarda.

O volume de serviço não me dava muito tempo para meditações e a vontade de ir embora me alcançava o estômago. Ficaria para outra.

O barulho de chinelos era inconfundível e se aproximava. Cada vez mais.

Mas logo agora que eu estou desarrumada e atrapalhada? Eu tinha até penteado o cabelo mais cedo...

Era inevitável e sua presença absolutamente real à minha frente se fazia como um turbilhão, que sobe à face e principia uma gagueira.

Eram tantas frases decoradas, tanto o que eu pensava em lhe dizer. Nada conseguia.

Ele permanecia ali parado, esperando pelas frase que não vinham e aquilo me encabulava ainda mais.

Papéis caiam pelas bordas da mesa, o telefone tocava (inferno de telefone) e ele tinha pouco tempo, eu teria que aproveitá-lo. Como?

Cinco minutos após sua permanência em minha sala eu já me encontrava ainda mais atrapalhada, suando por todos os poros, com uma legião de papéis espalhados e sem nada de concreto conversado. O coração continuava aos pulos e ele já tinha que ir embora.

Despedidas, sorrisos, olhares e lá se foi o meu “dia”. Teria que ficar para amanhã.

Eu então procurava me compor, lavava as mãos suadas, penteava o que me restava de cabelo, acertava o coração e voltava à normalidade.

Me restava, então, a expectativa do outro dia, como tantos outros, iguais.


Ô gente, o amor é lindo, né? Não deu nada certo com este rapaz. Um tempo depois, eu sai deste emprego para virar jornalista e nunca mais o vi... Ah, ele era a cara do Ayrton Senna...

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